segunda-feira, 7 de junho de 2010

Confusion will be my epitaph

Na juventude - ou ainda pior, juventude com tendências limítrofes - vive-se uma tristeza eterna a cada semana, quiçá mês. Saber disso faz com que enxerguemos a frivolidade que beira o cômico de nossos problemas? Bem, talvez não o suficiente para que eles não incomodem, mas sim, sinto-me feliz ao lembrar que chegará o dia em que vou achar graça do que vivo hoje - assim como hoje tanto rio do que já passou. A maior fé que tenho é na efemeridade das coisas...

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pimenta, cocaína e leite


David Bowie, o camaleão da música, conquistou a fama pela criatividade musical e também pelos personagens que interpretava nos anos 70, a década de seu auge. Ziggy Stardust seria o exemplo mais óbvio das personas de Bowie - com seus figurinos e suas atitudes características, Ziggy ajudou a dar imagem e conceito à música do multifacetado ícone do rock. Embora seja o mais famoso, porém, Ziggy não foi o único papel interpretado por Bowie, e o post de hoje é dedicado a um outro, de uma loucura muito mais sutil por fora, no entanto muito mais perturbadora em seu âmago - Thin White Duke, que ilustra o álbum Station to Station.

Exausto de todas as suas indiossincrassias, Bowie queria extirpar de si seus maneirismos, aparência e qualquer singularidade que o caracterizasse. Pode ser que o que o incomodasse fosse a sombra de Ziggy Stardust que ainda se projetava em sua carreira mesmo após o lançamento de Diamond Dogs e Young Americans - no primeiro, a presença de Ziggy ainda é evidente, já no segundo não há mais glam rock, aparência andrógina nem nada do tipo. Aliás, no Young Americans nem sequer há um personagem que o caracterize. Porém, quem sabe Ziggy fosse uma das coisas que enjoavam Bowie naquela época, considerando o vigor do personagem e a marca que deixou.

No início de 76, todavia, é lançado Station to Station - um álbum no qual qualquer traço do corrompido rockstar é eliminado e substituído por um alter ego que de normal só tinha a "casca", desprovida de glitter e roupas escandalosas. Surge Thin White Duke.

Station to Station é de uma frieza perturbadora. O curioso é que as músicas não deixam transparecer o estado deplorável de Bowie na época de forma explícita - pelo contrário, são músicas "fáceis" e carismáticas. E é exatamente por isso que é perceptível um sarcasmo sem igual nesse álbum. Golden Years, por exemplo, é uma música aparentemente animada, mas é fácil identificar ali algo estranho, "errado", uma ironia amargurada. "Look at that sky, life's begun/nights are warm and the days are young"... versos escritos justo na época mais perturbada da vida de Bowie, esquelético e paranóico pelo uso excessivo de drogas, com casamento em ruína, e pressionado pelo trabalho. Bowie estava desesperado e perdido em LA, mais tarde o próprio chegou a dizer que a cidade deveria desaparecer do planeta. O flerte com o nazismo da época parecia uma tentativa de se personificar como um típico europeu, de encontrar suas raízes em dias conturbados na América.
A aparência do duque era discreta, porém a atitude estava mais excêntrica que nunca.

Thin White Duke é vazio, insensível, até cruel. "A nasty character, indeed", segundo Bowie. Pode ser considerado uma continuação do personagem Thomas Jerome Newton, interpretado por Bowie no filme O Homem que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth - 1976). O romantismo do duque é escancaradamente artificial - ele não sabe diferenciar amor dos efeitos da cocaína. Station to Station é um álbum de paradoxos, com um clima estranho e sombrio mesmo com músicas acessíveis como Golden Years, Stay e TVC 15 ou com a doce Wild is The Wind - e isso é o que torna essa fase de Bowie tão incrível: por baixo das elegantes roupas de um aristocrata e escondido em melodias alegres ou românticas, viveu o que eu considero uma das mais alucinadas criações de David Bowie, e que, apesar e por causa de tudo, é encantadora.